sexta-feira, 5 de janeiro de 2007

Ainda os incêndios...

Escrito em finais de Setembro de 2006


Muito se tem dito sobre a inépcia governamental e conflitos de interesses, relativamente ao drama dos incêndios no nosso país nos últimos 3 meses...

No entanto, há uma inércia muito maior que a comunicação social muitas vezes não refere: a da população em geral.

As pessoas, salvo honrosas excepções, só se lembram dos bombeiros quando há males que lhes batem à porta, tais como um incêndio, arrombamento de portas de residências, etc., porque, ao contrário, é uma profissão que lhes passa completamente ao lado...

Não há limpeza, não há criação de caminhos de acesso, que servem ao mesmo tempo de linhas corta-fogo, têm de ser os bombeiros a andar com máquinas de rasto a abri-los (isto nos casos em que esta consegue lá chegar, claro...)...

Podem argumentar que há pessoas que não têm possibilidades, ou monetárias ou físicas, ou as duas, para proceder à limpeza dos seus terrenos... Pois bem, mas permitam que outrem os limpe, simplesmente não os deixem ao abandono. Tem que se proceder às alterações já mais do que necessárias à moldura penal em tudo o que diz respeito a penas para incendiários (é de louvar o Juiz, cuja comarca não sei precisar, que tomou a decisão de aplicar a prisão preventiva a um alegado incendiário durante toda a época de incêndios).Penso que devam ser aplicadas coimas, no caso de o proprietário não proceder à limpeza do terreno e não deixar que seja a câmara, ou os bombeiros, ou outras pessoas quaisquer, e até, em última instância, ficar sem o dito terreno.

O que vai bater no problema do plano de ordenamento do território. É inadmissível que, em Concelhos que são maioritariamente florestais, não haja registo actualizado, quer nas Repartições de Finanças, quer nas Conservatórias do Registo Predial, dos actuais proprietários dos prédios, quer sejam eles rústicos (terrenos) ou urbanos (casas, etc.).

Até há não muitos anos atrás, quando havia que fazer partilhas, por mais ínfimo que fosse o tamanho do terreno, podia-se simplesmente dividir esse terreno no número de herdeiros que houvesse… O que veio provocar a divisão, em certos casos e principalmente no interior do país, de um terreno em 8, 9 ou mais partes, consoante o número que houvesse de herdeiros…

Felizmente hoje já assim não é…

Grande parte destas pessoas, ou as da geração seguinte, migraram para as grandes metrópoles e aí casou e teve filhos, que muitas das vezes não se interessam minimamente pela terra natal dos pais nem com as propriedades que estes lá possam ter,originando que, quando há a morte dos progenitores migrantes, apesar de haver as partilhas entre os herdeiros, não é feito o registo em nome do novo proprietário.

Logo, quando as forças de segurança ou as câmaras municipais querem notificar o proprietário do terreno, ‘não bate a bota com a perdigota’, pois estão a tentar notificar um pessoa que, enquanto viva, provavelmente nem tinha a morada actualizada no serviço de finanças, e mesmo que tivesse, a correspondência seria devolvida ou como ‘desconhecido na morada’ ou ‘falecido’.

Como proceder de acordo com isto? Como se conseguem notificar os herdeiros? Onde se vão buscar esses dados?

Uma vez que é propriedade privada, como proceder à sua limpeza, já que não se conseguem notificar os respectivos proprietários?

Fica a dúvida.

Li há tempos num artigo intituladoA Indústria dos Incêndios, escrito por José Gomes Ferreira, que é Sub-Director de Informação da SIC e publicado na SIC Online em 04/08/2005, que vem demonstrar que realmente há muita coisa mal nesta tragédia dos incêndios.

Nesse artigo são levantadas, de entre outras, as seguintes questões:

Porque é que o estado tem 700 milhões de euros para comprar dois submarinos e não tem metade dessa verba para comprar uma dúzia de aviões Cannadair?”

A velha questão do que é prioritário para o país...

Porque é que há pilotos da Força Aérea formados para combater incêndios e que passam o Verão desocupados os quartéis?”

Provavelmente à espera que 'rebente' uma qualquer guerra em que sejam necessários, quando a gritante situação dos próprios bombeiros no terreno é que nem formação de ataque a incêndios têm, e as brigadas de primeira intervenção são formadas por voluntários que apenas prestam serviço no verão, alguns mesmo menores...

Porque é que as Forças Armadas encomendaram novos helicópteros sem estarem adaptados ao combate a incêndios? Pode o país dar-se a esse luxo?”

Pelos vistos pode...

Foram adquiridos, em 1985, uma certa quantidade, que não sei precisar, de kits MAFFS – Modular Airborn Fire Fighting System – para instalação nos aviões C-130, uma vez que se tornavam uma alternativa mais económica do que a aquisição de Cannadairs.

Alternativa essa que nunca o chegou a ser, já que, desde essa altura – ou seja, há 20 anos -, estão 'encafuados' algures na base aérea do Montijo, e se procedeu, até agora, ao aluguer de aviões especializados no combate aos incêndios florestais.

No entanto, veio um major da Força Aérea indicar que, tal material já está “obsoleto e que não deverá compensar o investimento de recuperação.”

Só me pergunto porque não foram estes kits utilizados aquando da sua compra?! Sim, podem argumentar que os MAFFS não servem para apagar incêndios, já que o que despejam não é água – que é despejada no local do incêndio -, mas sim calda química – que é lançada em zonas que ainda não arderam, e tem um efeito retardante. Certo.

Então porque é que no ano passado, na época de incêndios, foi solicitado o apoio no combate de aviões marroquinos que funcionam precisamente com este sistema?

A maior parte da madeira usada pelas celuloses para produzir pasta de papel pode ser utilizada após a passagem do fogo sem grandes perdas de qualidade. No entanto, os madeireiros pagam um terço do valor aos produtores florestais. Quem ganha com o negócio? Há poucas semanas foi detido mais um madeireiro intermediário na Zona Centro, por suspeita de fogo posto. Estranhamente, as autoridades continuam a dizer que não há motivações económicas nos incêndios...”

Não há motivações? Pois claro, está-se mesmo a ver...

E quanto aos interesses imobiliários?

Quantos e quantos terrenos têm construções já até habitadas, quando ainda nem passou prazo previsto na lei em que não é permitido qualquer construção?

Há cerca de um ano e meio, o então Ministro da Agricultura quis fazer um acordo com as direcções das três televisões generalistas em Portugal, no sentido e ser evitada a transmissão de muitas imagens de incêndios durante o Verão. O argumento era que, quanto mais fogo viam no ecrã, mais os incendiários se sentiam motivados a praticar o crime...

Participei nessa reunião. Claro que o acordo não foi aceite, mas pessoalmente senti-me indignado. Como era possível que houvesse tantos cidadãos deste país a perder o rendimento da floresta – e até as habitações – e o poder político estivesse preocupado apenas com um aspecto perfeitamente marginal?

Estranhamente, voltamos a ser confrontados com sugestões de responsáveis da administração pública no sentido de se evitar a exibição de imagens de todos os incêndios que assolam o país.”

Realmente o argumento dos incendiários pode ser verdadeiro, mas, tal como diz o José Gomes Ferreira, é um assunto marginal.

Será que a opinião pública não é merecedora de saber qual a dimensão da tragédia dos incêndios? Ou não convém que se saiba?

Quais são os interesses que se movem por detrás desta tentativa de camuflagem da realidade? Isto, claro, além dos já referidos...

Será que é por tentarem esconder das pessoas a dura realidade, que vai fazer com que as pessoas sejam mais diligente em relação à limpeza das matas?

Na minha opinião, muito pelo contrário. Quanto mais as coisas 'nos caírem em cima', mais para elas estamos despertos.

E podemos dizer que as coisas estão más, que não há bombeiros que cheguem, mas se toda a gente pudesse ser associada dos ditos 'soldados da paz' do seu local de residência, ou onde tem a casa de férias, ou onde tem terrenos florestais, além de ter algumas vantagens (agora só me lembro do caso de precisar do serviço de ambulâncias, e de algumas seguradoras dão desconto no seguro automóvel por serem associados), é extremamente importante para a manutenção do trabalho que os bombeiros realizam.
Como exemplo, a quota anual que se paga aos Bombeiros Voluntários de Ferreira do Zêzere (local onde tenho casa e terrenos florestais), é a quantia exorbitante de 10 € (sim, são mesmo 10 euros)...

Penso que se toda a gente contribuir para esta causa, poderá haver, se algum dia precisarmos, esperando, no entanto, que tal não seja necessário, a tal ambulância, o tal auto-tanque, o tal veículo todo-o-terreno, que faz falta em quase, senão mesmo em todas, as corporações...

Qual é a sua desculpa para continuar de braços cruzados?


Como se diz numa rubrica da rádio RFM:

"Talvez valha a pena pensar nisto"

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